Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Linguística

LINGUÍSTICA (22001018024P9)

01/01/2015

PESQUISA

EM ANDAMENTO

No livro A identidade de um percurso e o percurso de uma identidade, realizamos um estudo semiótico das canções do Pessoal do Ceará para (re)constituir a identidade desse grupo cancional em suas diferentes fases e faces. Do estudo, conclui-se que, no percurso migratório dos cancionistas do Pessoal do Ceará, a cidade de São Paulo surge como figura impactante, podendo ser considerada um acontecimento de caráter disfórico de tal magnitude que coloca em xeque a identidade do grupo e que, por isso, exige resolução e atitude reativa imediatas: quer pela aposta num retorno nostálgico à terra de partida, miticamente concebida após a imigração, quer pelo gesto, fracamente ou francamente combativo, contra a alteridade. Como o percurso migratório do Pessoal do Ceará revelou-se indissociável da relação contratual ou polêmica, a depender da fase, com o Tropicalismo e, mais precisamente, com a persona musical de Caetano Veloso, não só citado nominalmente numa canção de Belchior (Fotografia 3/4), mas também alvo de outras tantas referências intertextuais, voltamos nossa atenção para a obra do compositor baiano. Destarte, em Sampa (1978), encontramos um enunciador que parece polemizar com a face nostálgica do Pessoal do Ceará, afirmando que ?quem vem de outro sonho feliz de cidade / Aprende depressa a chamar-te (a cidade de São Paulo) de realidade? e que ?quando eu te (a cidade de São Paulo) encarei frente à frente não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto / É que narciso acha feio o que não é espelho?. Ora, o enunciador de Sampa apresenta-se como aquele que resolveu, em seu percurso, o acontecimento-cidade disfórico ao superar a fase narcísica e abrir-se para a alteridade. Em contrapartida, o sujeito de Fotografia 3/4 (e, por extensão, o Pessoal do Ceará), ao interpelar o de Alegria Alegria, argumentando que ?Veloso, o sol não é tão bonito pra / Quem vem do norte e vai viver na rua?, ainda estaria, para o enunciador de Sampa, impactado pelo acontecimento-cidade, preso à fase narcísica e fechado para a alteridade. Ancorados nessas constatações é que vamos acompanhar as relações dos enunciadores das canções de Caetano Veloso com três cidades nas quais ele viveu: Santo Amaro da Purificação (mas também Salvador), São Paulo e Londres. Queremos saber qual é o estatuto tensivo dessas cidades nas letras das canções assinadas por Caetano Veloso até o disco Trilhos urbanos (1979). Partiremos da hipótese de que, nos primeiros doze anos da produção cancional do compositor, as cidades de Santo Amaro da Purificação, São Paulo e Londres apresentam estatutos tensivos variados. Em No dia em que eu vim-me embora, Onde eu nasci passa um rio e Trilhos urbanos, por exemplo, Santo Amaro da Purificação (mas também Salvador) parece revelar-se mais estado que acontecimento-cidade; em Sampa, São Paulo parece constituir-se acontecimento-cidade plenamente resolvido; e, em A little more blue e London London, Londres parece manter boa dose da intensidade impactante de um acontecimento-cidade. Enfim, pretendemos analisar essas letras de canções, e, se necessário, outras, para pensar o coeficiente tensivo que cifra a existência semiótica de cada uma dessas cidades na obra de Caetano Veloso e que as faz oscilar entre os efeitos de acontecimento e estado, em função dos assomos e das resoluções de que participam.